A primeira impressão que temos a respeito dos “Fundos de Pensão das Estatais”, é de que o sistema é quase perfeito, afinal o noticiário nunca estampa em suas manchetes escândalos envolvendo os fundos.
Para um bom entendimento do que realmente acontece, inevitavelmente acabaremos numa definição próxima daquilo que conhecemos como “Máfia”, é isto mesmo, coisa tipo “O Poderoso Chefão” no cinema, ou na realidade a Máfia Russa, Napolitana, Siciliana e mais todas as “afiliadas” pelo mundo afora.
Claro que “Máfia” nos leva ao mundo do crime, do ilícito, em suma é uma organização criminosa que objetiva o lucro e o poder por meios espúrios.
Por outro lado, em se tratando do caso específico dos fundos de pensão das estatais brasileiras, seria uma leviandade, uma irresponsabilidade de qualquer um dizer que há alguma ligação destes fundos com o mundo do crime, mas podemos aproximá-los de uma forma mais branda de interpretação, porque numa análise mais apurada veremos existir uma co-relação na medida em que o objetivo é o mesmo: “lucro e poder”.
Uma delas se notabiliza por meios espúrios, criminosos e a outra por meios legais, lembrando que num País como o Brasil, nem tudo que é legal é moral, portanto a imoralidade do sistema de previdência privada fechado é que o torna um tanto “mafioso”.
Hoje temos mais de 500 bilhões de reais contabilizados nesses fundos das estatais, patrimônio mais do que suficiente para que qualquer economista, até principiante, saiba o que isto representa na economia nacional, mas infelizmente também representa o alvo das “aves de rapina”.
Bem, para melhor entendimento de como funciona a “Máfia Legal”, partiremos para um exemplo prático, uma “estória”.
Lá na década de 70 nosso personagem, o “ZÉ”, era “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes”, mas como todo bom rapaz, tinha seus sonhos, queria subir na vida, ter um bom emprego, virar alguém.
Um banco estatal estava abrindo concurso público, o salário era bom, futuro garantido, o melhor do País e o Zé não pensou duas vezes, inscreveu-se, pegou uma pilha de livros e trancou-se em casa.
Não saiu mais até o dia das provas, estudou como um condenado, afinal queria ser aprovado de qualquer jeito, e realmente foi, assim como outros milhares de “rapazes” como ele.
Para entrar no banco mandaram o Zé lá para “onde o diabo perdeu as botas”, mas ele confirmando seu propósito, foi sem pensar duas vezes, pronto para seu primeiro dia de trabalho, orgulho da família, peito estufado.
Sentou-se com o funcionário da documentação, apresentou tudo direitinho e assinou aquela papelada toda, que no meio tinha uma ficha de associado do fundo de pensão do banco, coisa que explicaram como “condição” para tomar posse, sem associar-se ninguém entrava, mas sem dúvida era um bom negócio, porque iriam abrir uma conta dentro do fundo e depositar ali todo mês uma parte do salário do Zé e para melhorar ainda mais, o banco patrão ainda depositaria mais o dobro na mesma conta. Assim o Zé nem pediu maiores explicações e não precisava, porque estava mais do que clara uma aposentadoria garantida e depois o que ele queria mesmo era botar a gravata e começar a trabalhar.
O Zé logo melhorou de vida, comprou até um fusca, meia-tala, toca-fitas, surdina Kadron, um verdadeiro show e o resultado não podia ser outro, afinal o Zé era “o cara”, arrumou uma namorada, casou, constituiu família e virou “homem sério, cumpridor de seus compromissos”.
O Zé era ambicioso, queria subir no banco e não se importou de ir para lugares mais afastados ainda, mesmo com a família junto, sem água, sem luz, estrada, escola, hospital, mas valia a pena porque quanto pior o lugar mais fácil era progredir e ganhar mais.
Passados prá lá de dez anos chamaram o Zé e ofereceram grana para comprar uma casa, chance de livrar-se do aluguel, pagamento em longo prazo e com o dinheiro daquele fundo de pensão, que o Zé se associou lá quando entrou no banco e aí ele descobriu que o tal fundo já tinha um bom dinheiro na conta dele, afinal depois de tanto tempo descontando do salário e o patrão depositando mais um tanto a coisa só podia engordar mesmo.
Agora o Zé era o feliz proprietário de um imóvel, tocou a vida, filhos crescendo, família tranqüila e a certeza de que ele tinha dado o passo certo ao entrar para o banco.
Mais um tempo e o Zé se viu “quarentão”, lá em meados da década de 90, já era até “chefe”, ganhava bem e nem imaginava que no tal fundo de pensão já tinha um “caminhão” de dinheiro depositado na sua conta, claro que para garantir uma aposentadoria segura.
Nessa época o Zé teve uma triste surpresa. Chamado pelo patrão lhe foi dito que as coisas mudaram. O banco não era mais o mesmo.
- Zé, a coisa ta ruim, temos que diminuir a despesa e não tem outro jeito senão dispensando funcionários. Você é um bom sujeito, dedicado, mas infelizmente não podemos mantê-lo. Você é muito caro, mas em consideração ao seu tempo de serviço, estamos oferecendo um “incentivo financeiro” para que você deixe o emprego. Assine aqui e siga sua vida fora do banco.
O Zé coitado ficou atônito, sem sul, sem norte, afinal toda sua vida estava ali naquele emprego, sua família, futuro dos filhos, promessa de aposentadoria segura. Pensou alguns dias e decidiu não aceitar a proposta. Queria continuar no emprego.
Claro que o patrão não aceitou um “Não” como resposta.
- Zé, se você não aceitar sair de livre e espontânea vontade, vai ser demitido e aí não ganha o “incentivo financeiro”.
O Zé, desesperado, até já tinha perdido o cargo de “Chefe”, viu-se numa legítima “sinuca de bico” e sem saída aceitou o negócio.
Recebeu seus direitos trabalhistas, mais uma merreca do tal incentivo e caiu fora. Recebeu até de volta parte do dinheiro que havia depositado no tal fundo de pensão.
Como o patrão tinha prometido um auxílio, orientação, treinamento, indicações, para que o Zé conseguisse outro emprego ele ficou confiante, mas nada disso se confirmou. Foi só o Zé cair fora e todas as promessas viraram pó.
Tentando manter o padrão de vida o coitado entrou na luta por outro emprego, porém a idade e a falta de formação profissional logo deixaram claro, que o Zé não tinha chances, enquanto isto o dinheiro da tal indenização se foi.
Numa situação difícil, o Zé sem alternativa resolveu revisar os valores recebidos do banco. Muniu-se de toda a documentação e começou a analisar as contas. Descobriu que os valores recebidos do tal fundo de pensão estavam bem abaixo do saldo dos extratos entregues pelo patrão.
Claro que o Zé foi até o patrão para reclamar, mas conversa vai, conversa vem e sem entendimento, o patrão acabou dizendo o que se esperava.
- Zé, se você não está satisfeito então procure seus direitos.
O Zé coitado, cada vez mais desesperado, juntou um monte de documentos, leis, normas, estatutos e começou a tentar entender a sistemática do tal fundo de pensão.
Descobriu que o valor resgatado foi apenas uma parte daquilo que ele depositou na tal conta do fundo e também que a parte depositada pelo patrão em nome dele, simplesmente sumiu.
Com tanta coisa errada para discutir, o Zé procurou um advogado e entrou na justiça contra o fundo de pensão.
Reclamava o resto daquilo que foi descontado do seu salário e também tudo que o patrão depositou, afinal lhe foi dito lá no início, quando entrou para o banco, que o patrão iria depositar para ele e que aquele dinheiro era dele, para garantir sua aposentadoria.
Descobriu ainda que num fundo de pensão, todo o dinheiro depositado pertence aos associados e ninguém pode mexer, porque é dinheiro garantidor de aposentadorias a serem concedidas. Sendo assim o Zé não conseguia entender, como seu dinheiro tinha ficado lá, pois se ele havia deixado o fundo, então não havia mais a sua aposentadoria para conceder. Então como tinham ficado com seu dinheiro?
Na justiça, primeira instância, foi uma barbada. Ganho de causa total, mas o fundo de pensão recorreu para a segunda instância e o Zé ganhou outra vez. Bem, agora já dava para festejar, porém recorreram mais uma vez e agora para as cortes superiores, o tal STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Lá o Zé teve uma triste surpresa, porque negaram tudo que já tinha sido ganho. O Zé perdeu tudo. Teve até um ministro dizendo “não pode ser devolvido aquilo que não foi pago”, só esqueceu-se de dizer que foi pago para o Zé, portanto o dinheiro era dele.
Mas não teve outro jeito. O Zé desesperado, derrotado, não entendia como a justiça podia negar um direito seu. Que justiça é essa?
Mesmo assim não desistiu, afinal tinha que defender o pão da família, continuou procurando um caminho. Lembrou-se dos tempos da luta sindical, dos amigos do partido que defendia os trabalhadores e pensou consigo mesmo: “Agora eles me pagam, vou procurar esse pessoal e mostrar para todo mundo que justiça existe”.
Mais uma vez o Zé “deu com os burros n’água”. Ninguém lhe deu ouvidos, desconversaram e o pior, disseram que tudo fora feito dentro da lei e que nada mais podia ser feito.
O que o Zé não sabia, é que os fundos, o banco, tudo pertence ao Governo e que seus amigos do sindicato, do partido, estavam lá bem empregados e mamando nas tetas do fundo de pensão, inclusive dando uma “mãozinha” daqui, uma “maracutaia” dalí, fazendo com que o caixa 2, caixa 3, 4 do partido da situação engordasse para poder fazer frente a “despesas de campanha”, aquelas que nunca aparecem na prestação de contas da justiça eleitoral. Coisas tipo “mensalão”.
Nada mais restava ao Zé, “tava tudo dominado” e aqueles bilhões que ficaram lá dentro do fundo, jamais seriam devolvidos a seus legítimos donos, o Zé e os milhares de colegas dele que caíram no mesmo golpe.
Nessa hora o fundo, o banco, partido da situação, Governo, já sabiam da monstruosa “sobra”, já sabiam quanto tinham arrecadado com o roubo do dinheiro do Zé e de seus colegas, mas “SOBRA” ficava um termo meio estranho, então resolveram chamar de “SUPERAVIT”, este sim mais bacana, mais pomposo, nome digno do tamanho do golpe e, na maior “cara de pau” pegaram o tal “superávit” e entregaram para o banco, alardeando na mídia, também comprada com o dinheiro que tiraram do Zé, que o banco era um espetáculo de empresa, lucrativa, bem administrada, prova de que o Poder Público era competente para concorrer com a iniciativa privada.
Mentira, deslavada mentira. Banco estatal não passa de um grande cabide de empregos, de cargos políticos, gente que é posta lá para favorecer este ou aquele, gente que joga dinheiro do povo pela janela a fundo perdido e o resultado não pode ser outro senão prejuízo nas contas.
Então como pode dar tanto lucro? Ora, roubando o dinheiro do Zé.
Na verdade estamos lidando com um círculo vicioso, porque quando acabar o dinheiro do Zé, eles demitem mais uma leva, que já passou bons 15 ou 20 anos contribuindo e engordando o fundo de pensão, pois quando o Zé foi posto para fora, não perderam tempo e colocaram outro no lugar dele e assim eternamente o dinheiro do tal “superávit” nunca acaba, basta seguir roubando de todos os “Zés” que por lá passarem.
Mas tudo foi feito dentro da lei. Lei esta que eles mesmos fazem, juízes que eles mesmos escolhem para julgar as causas onde o Governo é réu. É como se num jogo de futebol, um dos times pudesse escolher o juiz, os bandeirinhas e ainda exigir que apitem usando o uniforme do time. Ridículo, coisa de Brasil.
Agora deu para entender o que é “MÁFIA LEGAL”?
E o Zé? Como ficou?
Bem, o Zé sentou num canto, pensou na vida, naquele tempo de juventude, de sonhos, esperanças, formar família, seguir como um homem de bem. Pensou em tudo que passou, em tudo que acreditou e, num momento de desespero, depois de perder até a casa, obrigado a devolver para o fundo, não viu saída, foi traído, roubado, humilhado e se jogou de um prédio.
“Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.”
Mas deixa estar, afinal era apenas mais um “Zé”.
Ah! Ia esquecendo a notícia da semana.
“Banco do Brasil fecha balanço de 2010 com mais de 11 BILHÕES de lucro”.
A mídia vendida só esqueceu de dizer que não foi lucro, mas sim contabilização do dinheiro da PREVI, o fundo de pensão do banco.
Ary Taunay Filho
(Um dos milhares de Zés)